quarta-feira, maio 10, 2006

Aconteceu na UNICÚ - EREH VIII Sul - Mal entendido religioso?






Tendo acompanhado as discussões em torno da presença de dois integrantes identificados como neonazistas no Encontro Regional dos Estudantes de História, o EREH VIII, realizado pela UNICÚ, e percebendo que ambos os lados tem argumentos convincentes a respeito do caso, é interessante afirmar que pessoalmente acredito que tudo isso não passa de um mal-entendido. Afinal, os estudantes com a suástica no peito não eram nazistas: eram adoradores de Krishna, ou partidários da independência da Ilha de Man, na Grã Bretanha. Apenas foram mal compreendidos. Afinal, a cruz gamada é encontrada em dezenas de culturas, desde a Grécia, Índia, os Astecas, os Hopi, os Celtas, entre outros.
Pelo menos, esta é nossa opinião. Mas se querem uma discussão séria e respeito do que acredito que aconteceu no EREH, aqui vai: primeiro, dois estudantes de história, cuja identidade é dispensável, identificaram-se no encontro como neonazistas, blá, blá, blá. Segundo, estes estudantes foram hostilizados pelos demais participantes, o que causou certo desconforto no grupo. Terceiro, na plenária final, propos-se o afastamento ou a proibição de que pessoas ligadas a grupos extremistas como nazistas e white-power participem destes encontros. Quarto, durante a votação, vários estudantes defenderam a pluralidade de idéias e de opiniões, e o direito delas se manifestarem, e não, como afirmam alguns sensacionalistas sul rio grandenses, os dois estudantes em si. Quinto, devido à repercussão, não tive aula na terça, e isso me deixou muito irritado, e por isso estou escrevendo hoje.
O fato principal parece ser a defesa ou não dos dois ditos extremistas pelos estudantes. Afinal, pega mal defender quem quer que seja, ou mesmo a dar a eles o direito de resposta a qualquer acusação. Afinal de contas, Hitler foi um genocida, um autêntico assassino de massas. Até aí, nada de mais. Mas Mao Tse Tung e Reagan, defendidos por grupos ligados à extrema esquerda e à extrema direita também não foram? Essa é a primeira questão. Se eu me identificasse como maoista, stalinista ou mesmo reaganista, seria proibido de participar do EREH e defender minhas odiosas idéias sobre a supremacia do branco anglo saxão protestante, ou sobre o papel dos Estados Unidos no mundo de hoje, que é levar a democracia do porrete aos povos oprimidos?
A segunda questão refere-se ao direito ou não de proibir estas idéias. A declaração universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, da qual o Brasil é signatário, afirma em seu artigo sétimo:

Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos tem direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação
No artigo dezoito, ela é mais enfática ainda:
Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observâcia, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.
Sabem para que servem estes dois artigos? Sabem por que nós achamos que é correto que todos os seres humanos, por mais estranhas que sejam suas crenças, tem o direito de segui-las? Porque ninguém possui o monopólio da verdade. Afinal, a declaração foi uma resposta aos regimes totalitários que destruiram a Europa durante a Segunda Grande Guerra. A declaração deveria nos defender de governos despóticos, organizações que cerceiam nossos direitos.
É claro que, quando a questão é o direito de difundir idéias como consumismo e propriedade, todos são unânimes em defender seu direito. Se por acaso o governo sob o qual vivemos decidisse nos privar destes direitos, não haveria uma reação, embasada na ideologia traduzida na declaração? Também fica claro que, quando as idéias a serem cerceadas em questão pertencem a grupos minoritários ou que defendem ideologias particularmente impopulares, somos unânimes em afirmar que um pouco de censura não faria mal nenhum.
Thomas Jefferson afirmava que o governo que quer defender a ordem retirando um pouco da liberdade, acabará por perder as duas. Isso significa que se queremos salvaguardar nossas conquistas e direitos, teremos que aceitar que existem pessoas a quem chamamos de extremistas que, se pudessem, nos tirariam estes mesmos direitos. Isso também significa que, para nos mantermos coerentes com nossas crenças, somos obrigados a aceitar as crenças dos outros. Sagan afirmava que o melhor remédio contra um argumento falacioso não é a censura, é um argumento melhor. Ampliando um pouco mais esta discussão, poderíamos afirmar que se assegurarmos o direito das pessoas à plena aplicação do artigo vinte seis da Declaração, não precisaremos nos preocupar. Não sabe qual é o artigo vinte e seis? Tudo bem, aí vai
Todo o homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnicrofissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.III) Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.
Senhores estudantes gaúchos, aqueles que pensam que o Guaíba é um rio, e que Vargas, Goulart e Geisel foram grandes presidentes, ampliem um pouco mais o seu universo de formação. Leiam filosofia, literatura, leis, e não apenas Marx, Lenin e Trotski, notáveis cerceadores de liberdade, caso contrário, poderão realmente converter-se ao nazismo. Ampliem seus horizontes intelectuais e não precisarão se preocupar com o fato de que dois caras defenderam sua ideologia a um grupo pretensamente bem instruído e capaz de tomar suas próprias decisões. Quando se discute liberdade de expressão, significa exatamente isto, e não defesa de regimes totalitários e opiniões controversas. Se não defendermos este direito, e estende-lo a outros, independente de quem sejam, faremos exatamente aquilo que condenamos neles.

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