quarta-feira, novembro 29, 2006

Uma homenagem a Belmonte que, se fosse vivo, teria muito o que escrever sobre Jacú City




BENEDITO CARNEIRO BASTOS BARRETO, aliás, BELMONTE, nasceu na cidade de São Paulo em 1896. Paulista e paulistano da gema, aqui mesmo faleceu em 1947, antecedendo em um ano no Parnaso a chegada de Monteiro Lobato, a cujas criações infantis dera corpo e forma.
Suas caricaturas apareciam regularmente em Cigarra, Verde e Amarelo, Kosmos, Vida Paulista, Queixoso, Frou-Frou, O Cruzeiro, Folha da Manhã e, no exterior, em Judge (USA), Caras y Caretas (Argentina), ABC (Portugal), Le Rire (França), Kladeradatsch (Alemanha).
As crônicas e charges que publicou no período que antecedeu a II Guerra Mundial, premonitórias. As que criou durante a Guerra, granjearam-lhe protestos oficiais do Japão e da Alemanha... E olha que vivíamos em “Estado Novo” — mas esta ditadura, por sinal, nunca despertou em Belmonte nem a auto-censura, nem simpatias...

Um dos artigos de Belmonte

“Gleichschaltung”...

“Gleichschaltung” é um neologismo criado pelos hitleristas, sem equivalente em nenhuma outra língua, para indicar o movimento histórico do nacional-socialismo no sentido de estandardizar a mentalidade alemã na ideologia racista. Ou, como explica o sr. Goebbels, ministro da propaganda, “é a transformação nacional-socialista do Estado, do partido e de todas as associações, o desenho dos primeiros contornos de uma situação que será, um dia, a situação normal da Alemanha quando não houver mais que uma opinião, um só partido e uma só convicção”.
Embora a Alemanha se encontre na Europa, hoje, em condições dramáticas, arrasada materialmente pelo Tratado de Versalhes — o que, até certo ponto, justifica esse impressionante movimento de união interna para a defesa comum contra os perigos que a cercam de todos os lados — ainda assim parece difícil que o nacional-socialismo consiga esse objetivo temerário antes de duas ou três gerações. Mesmo assim, já a Alemanha poderá vangloriar-se de ter realizado uma áfrica, porque nós, nestas terras morenas onde a jandaia canta nas copas da carnaúba, ainda teremos que passar uma vidinha bem apertada durante quatro gerações — segundo a opinião abalizada do sr. Juarez Távora. Todavia, como quatro gerações são gerações de mais, e como o povo brasileiro não terá paciência de esperar tanto tempo para sair do buraco em que o meteram os salvadores da pátria, pensa-se em instituir por estas bandas um governo forte, afim de que não haja um suicídio coletivo de quarenta milhões de encalacrados. E, para que não haja queixas e reclamações da parte dos aflitos, a força desse governo que nos prometem consistirá em realizar a “gleichschaltung” cabocla, de jeito que todos os quarenta milhões de encalacrados pensem que não são encalacrados ou, se o pensarem, que não digam nada.
À primeira vista, parece impossível a realização de tão impressionante empreitada. Mas, bem analisadas as condições em que ela se fará, ver-se-á que não há nada tão simples. Tudo dependerá da força desse governo.
É evidente que não me refiro à sua força material ou mesmo política. O de que se faz mister neste angustioso transe, não é um homem que possua, ao alcance de uma ordem, todas as forças de terra e mar. Nem mesmo um homem que tenha ao seu dispor todas as forças políticas de país. O de que se precisa, para a estandardização da opinião e da convicção brasileiras, é de um homem que possua forças ocultas — um hipnotizador, por exemplo. Ora, homens desse gênero não nos faltam. Que se invista, pois, um desses magos, de poderes discricionários, para que ele, lançando do Catete, sobre o vasto território brasileiro, os seus fluidos magnéticos, exclame a todos nós:
— Brasileiros! Nunca vereis país nenhum como este! Olhai que céu, que mar, que rios, que florestas! As quatro gerações foram uma blague do Juarez! Os “déficits” alucinantes são intrigas da oposição! O desbarato de doze milhões de contos é pilhéria do Cincinato! O negócio da banha é calúnia do Hermes Cossio! O país nada em ouro! O comércio navega em ouro! A indústria dorme sobre ouro! O povo come ouro! A Inglaterra deve-nos alguns milhões de esterlinos mas vai pagar-nos! A Norte América deve-nos vários milhões de dólares e já nos está pagando!...
E assim por diante. Sob a ação hipnótica do ditador, todos nós exclamaríamos, em coro:
— Perdoemos as dívidas estrangeiras! Já temos ouro de mais! Não queremos mais nada.
E dessa forma, com um só pensamento, uma só convicção e um só ideal, o Brasil seria o Eldorado do mundo.
Salvo disposições em contrário — porque os nossos credores são difíceis de hipnotizar...

1 comentário:

Anónimo disse...

já conhece: http://onimodo.blogspot.com/ ?

até.